Thursday, May 03, 2012

O SONHO QUE NÃO GOSTARIA DE TER SONHADO


Há alguns meses tive um sonho que ainda me perturba. Não sou uma pessoa ligada à mística dos devaneios noturnos e que fica buscando interpretações e sentidos para essas experiências que, ao menos para mim, na maioria das vezes, só se justificam pelos reflexos do subconsciente. Dessa vez, no entanto, foi diferente, tão diferentemente estranho que ainda hoje, meses depois, tal experiência ainda me parece viva e angustiante.

Sonhei que fora chamado para participar de uma missão da Índia. Meu trabalho era ajudar na estruturação de uma escola em determinada cidade daquele país, onde o evangelho havia sido distorcido de forma tão agressiva que virara objeto dos maiores e mais bizarros crimes. Nessa escola nosso trabalho era tentar construir, em meio a lideres religiosos e interessados, uma consciência crítica e promover reflexões profundas sobre tudo o que estava acontecendo no universo religioso daquele país, e, nessa casa, o universo religioso era cristão. Nós, imbuídos desse esforço missionário pelo evangelho, morávamos em uma ilha e trabalhávamos no continente. A estada na ilha se justificava por questões de segurança, já que nosso trabalho era visto como destrutivo pelas grandes e poderosas lideranças locais. Vivíamos com dois dólares diários, e com isto nos sustentávamos durante o trabalho na escola, comendo e bebendo o que era possível com essa contia. Pela manhã, um pequeno barco nos levava para o continente e, à tarde, voltávamos para ilha-base.

Meu trabalho era readaptar o espaço da escola às condições que uma nova lei local exigia. Precisávamos aumentar cinquenta centímetros da área da sala que ocupávamos em um pequeno prédio na parte central da cidade. Então eu estava imbuído em desmontar uma parede de madeira e reposicioná-la cinquenta centímetros depois, isto para que a escola não fosse fechada pelas autoridades. Para tal coisa, a necessidade era de cinco dólares para a compra de parafusos, buchas e afins. Aqui começa a parte perturbante: Tentamos levantar esse valor dentre os alunos. Dissemos que não tínhamos e que se esse pequeno valor não fosse arrecadado a escola poderia ser fechada. Pasmem! Ninguém dentre os vinte e poucos alunos se moveu para ajudar. Ninguém dentre aqueles que se diziam mais conscientes do evangelho de Jesus. Tivemos que arrecadar entre nós mesmos, retirando esta contia do pouco que tínhamos para nosso sustento diário. Questionei então o porquê desta atitude dos alunos ao diretor da escola e ele me levou para ver o que estava realmente acontecendo dentre os cristãos daquela cidade. Ligou um aparelho de TV e estava ali um pregador que dizia que Deus retribuiria muitas vezes mais o que fosse ofertado a seu ministério e que, de quem não tivesse nada para ofertar a Deus, aceitaria o sacrifício de seus filhos como oferta.

Fiquei incrédulo! Não era apenas dinheiro, era a morte de crianças. Não acreditava e disse ao coordenador da escola, um homem alto, branco, com aparência anglosaxônica, que isso não poderia ser literal. Ele então me convidou para visitar uma grande “igreja”, a mesma do pregador televisivo.

Ao chegarmos lá, havia um grande altar e uma parede enorme feita de cadáveres infantis queimados ao deus do evangelho da morte e da troca. Minha reação foi o choque, a indignação, e a resposta do meu amigo foi: Fabio, aqui ninguém dá nada se nada for oferecido em troca, mas se você oferecer algum lucro são capazes de matar seus filhos e ainda acreditarem que estão adorando a Deus. Nosso desafio era maior do que eu pensava. As ideias de prosperidade, lucro e sucesso haviam gerado uma besta devoradora de cadáveres infantis, carbonizados em adoração a um ente assassino que eles chamavam de deus. Mamom era este ente. Acordei. E esta frase me persegue: “Ninguém dá nada se nada for oferecido em troca”. A imagem da parede de cadáveres também me vem à mente como se eu tivesse vivido de fato.

E uma pergunta me invade a alma: Pai, o que é isso? Perturbador é saber que hoje, não no sonho, a essência disto tudo é verdade. Falta tudo para a Verdade e para quem nada oferece em troca, quem não vende indulgências e nem se vende aos compradores insaciáveis, compulsivos no consumo da mentira.Enquanto isso há pequeninos morrendo de fome, de angústia, de dor, de falta de amor e de amigos. Encerro aqui. Não gostaria de ter sonhado isso, menos ainda de ver que este sonho é reflexo (talvez ultra dimensionado, ou seria micro dimensionado?) da realidade brasileira.

Com a alma sangrando e com amor pela Verdade.

Fabio

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