Wednesday, December 06, 2006

A epístola do pesadelo

Aparentemente aquela seria mais uma noite de descanso na vida daquele homem de Deus. Ao deitar-se pediu ao Senhor que, mais uma vez, falasse com ele durante seu tempo de repouso, apenas não esperava que aquela não seria uma noite qualquer, mas que acordaria bem diferente de como se deitou. Pela manhã sua oração seria outra.
O pastor Paulo acordou num susto; as mãos suadas, os pés gelados, roupa colada em seu corpo marcado pelos sofrimentos que vivera em seus anos de ministério. Aliás, sua saúde que já não ia tão bem, parecia pior ainda naquela manhãzinha. Coração disparado, boca seca e um medo que o pesadelo fosse resposta à oração feita antes de dormir. “Será? Não pode ser? Mas, e se for?” Aquele líder, acostumado as lutas e perseguições, acusações e calunias, naquela manhã se sentia mais sozinho do que já era normalmente. “Ah, foi apenas um pesadelo... melhor assim. Não vou contar pra ninguém, estou apenas impressionado.” Na verdade Paulo estava frustrado com o que vira. “Será que a Igreja que eu ajudei a estabelecer vai viver isto em seu futuro?” Pensava. Lavou o rosto, trocou a roupa, fez sua refeição matinal (coisa rara na disciplina de jejum do pastor Paulo), tentou lembrar-se das Igrejas que plantara, dos discípulos que gerara, das palavras, das promessas, das verdades do “seu evangelho”.
Escrever era mais quem um trabalho, era uma rotina na vida de Paulo, mas naquela manhã ele estava resoluto a não escrever nada. “A boca fala do que o coração esta cheio, estou cheio do pesadelo que tive, se for escrever vai ser sobre o que minha mente imaginou a noite e não acho isso uma boa coisa.” Apesar desta vaga convicção todo seu interior parecia gritar, “Escreve, escreve, Paulo escreve” .
Cedeu ao apelo de sua intuição e pegou a pena, o tinteiro e uma folha de papiro. “Mas não estou acostumado a escrever sozinho, vou chamar o irmão... ah vou escrever eu mesmo... ninguém precisa ler isto.”Segue aqui o texto que o pastor Paulo escreveu. Ele não sabia, mas seu pesadelo não era apenas seu.
Eu Paulo, apóstolo servo de Cristo, em quem me alegro na esperança de Sua vinda e orando para que estas palavras que vos escrevo de próprio punho não se cumpram, mas sirvam como alerta. Hoje acordei a atribulado, não de chicotadas ou fome, nudez ou prisões, mas do que vi em sonho.
Sonhei que estava em um lugar que nunca fui. Nele havia um grande edifício onde estava posta em grandes letras a palavra IGREJA. Ali se reuniam crentes. Só que eles não eram como o que hoje conhecemos por crentes, eram estranhamente orgulhosos e desfilavam altivamente espirituais. Segui um grupo deles que entrava no prédio, acho que era domingo. Eles não notavam, mas ouvi que eles falavam uns aos outros do que iriam fazer após o culto. Um dos homens do grupo foi recebido com honras na porta do prédio. Havia centenas de cadeiras ali, sentei-me na última fileira. E o homem- honrado- na-porta dirigiu-se para a parte mais alta que estava na frente das cadeiras. Logo o lugar estava cheio de gente. Tudo ia relativamente bem, até que alguém começou a cantar, e a musica falava de um Jesus diferente. Não era o Cristo glorioso da ressurreição, era sim um Deus carente, humanizado. E o povo que cantava parecia romanticamente envolvido pela música. Fiquei assustado, pois a música seguinte era igual a anterior, só um pouco mais rápida. A terceira também e ai meu susto aumentou, pois entendo que o que cantamos reflete o que pensamos. Isto quer dizer então que o Jesus que eles crêem é assim?Mais sensível do que Senhor?
Outra coisa que me espantou nas músicas foi quando alguém disse que iria adorar a Deus e começou a cantar uma canção que só falava de suas próprias vitórias pessoais.
Mas o pior foi ouvir uma expressão bem conhecida minha ser utilizada de forma tão vulgar. Toda hora alguém falava que era “mais do que vencedor” e repetia pro vizinho do lado. Tudo bem, se esta frase que escrevi em um momento de dificuldade grande, expressando minha fé na fidelidade do Senhor, mesmo nas aparentes derrotas, não estivesse sendo deturpada para exaltar os homens e não a Deus. A impressão é que aquela era uma assembléia de super-soldados-romanos, super-gladiadores invencíveis, e que ninguém ali conhecia a sensação da derrota, do desprezo, da calunia. Como eu conheço bem estes sentimentos me restava a certeza da exclusão, eu não fazia parte daquela reunião estava apenas ali, mas não era dali. Alguém familiar começou a pregar, era o homem que vi ser honrado na entrada. Coordenava bem as idéias, com desenvoltura e destreza anunciava sua mensagem, mas assustei-me com a forma que falava de si mesmo, e usava sua história como exemplo para os ouvintes. Lembrei-me do Mestre dizendo: Quem fala de si não tem autoridade. Quando o pregador leu: Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece, tive vontade de gritar, mas o domínio próprio não deixou. Quando ele disse que neste texto Deus estava dizendo que todos os presentes ali haviam nascido para ter uma vida prospera e cheia de bens, com a certeza que todos os sonhos seriam realizados, desde que fossem ofertantes e dizimistas, a minha vontade foi pular pra cima da plataforma e contar para todos que no dia em que escrevi estas palavras eu estava fraco, sozinho, preso, caluniado e que, na minha fraqueza, achava forças em Cristo. Nada havia de riqueza na minha mente quando escrevi aos meus irmãos de Filipos a frase citada, ao contrário, estes irmãos me sustentavam em minhas prisões e eu escrevi para agradecer-lhes o amor cristão. Eu tinha vontade de acordar, de ver o fim daquele sonho frustrante.
Vi tanta gente sofrer pelo evangelho de Cristo, eu mesmo carrego em meu corpo as marcas destes sofrimentos e agora estava vendo todo o esforço de uma vida de pregação e ensino ser simplificado em meia hora de preleção, e tudo isto sob os aplausos inflamados dos ouvintes. Terminou a reunião e eu fui falar com o pregador, queria me apresentar, dar-lhe alguns conselhos, até dizer que me senti honrado pelas diversas referências ao meu nome, mas que gostaria que ele interpretasse certo as minhas palavras, entretanto fui abordado por dois sujeitos fortes, bem vestidos, que pareciam guardas do imperador. Eles me receberam com a notícia: o pastor não atende ninguém depois do culto - e argüiram-me - Quem é você? Porque se veste assim? Qual assunto gostaria de tratar? Pedi licença e retirei-me dali. Fiz questão de reler a placa da entrada, estava lá: Igreja Cristã. Onde estaria Cristo? Todos saíram rindo e brincando, só eu estava amargurado e revoltado, mas havia no fundo uma sensação de alivio, era apenas um sonho e vou acordar agora – pensava. Estava certo, o sonho já findava, mas algo ainda ia piorar as sensações que me assaltavam. Na frente do prédio achei uma pagina escrita, nela a imagem do pastor-pregador-honrado além de várias palavras que fiz questão de não ler, mas um registro naquele documento me perturbou, havia nele uma data: 25 de Maio de 2006. Uma voz soou forte, tão forte que me acordou: Paulo, vistes o futuro, a Igreja no futuro. Acordei e escrevi estas linhas. Orando para que este sonho seja apenas um devaneio de minha mente mortal. Graça e paz.
Paulo terminou de escrever e guardou a carta no fundo de seu baú de livros. Jamais a enviou para lugar algum. Ele não sabia que o culto que participou em seu sonho perturbador pode ter acontecido no último domingo em alguma igreja evangélica de um país tropical que jamais imaginara existir.
Sinceramente gostaria que o texto que você acabou de ler também fosse apenas um devaneio de minha mente mortal. Os fatos podem até ser, o conteúdo, infelizmente, não o é.

Saúde e Paz
Pr. Fabio Teixeira