segunda-feira, julho 30, 2012
AVENIDA BRASIL: CARMINHA, NINA, FABIO E A GRAÇA.
É cultural, indiscutível e imensurável, brasileiro gosta de novela. Como na maioria dos fenômenos populares há aqueles que querem se sentir superiores a cultura de massa, a esses cabe a postura de quem não assiste por que é tudo muito “rasteiro e pouco intelectual”. Pode até ser, mas não há quem saia ileso, até quem não gosta (de verdade e não por pseudo-intelectualismo) e não assiste, simplesmente não consegue ficar completamente imune aos folhetins diários dos horários nobres da TV brasileira.
Não atoa o Brasil produz novelas respeitadas mundialmente, levando assim a nossa cultura e os nossos artistas a terem fama em vários países. O Brasil vai junto com a sua arte. A arte é fruto do tempo e do lugar do artista, então não se desassocia o artista de sua terra. Sua obra esta, enquanto produto, na alma de seu país, de seu povo, de sua terra.
Possivelmente, nesta etapa do texto, alguém já começa a concluir que vou denunciar os abusos e absurdos morais propagados pelas telenovelas em suas muitas formas de mostrar a vida sob uma perspectiva relativizada e pluralista no sentido do comportamento ético e do juízo de valores no que diz respeito aos padrões mais tradicionais da sociedade. Estas linhas não são sobre tais questões, até porque vejo que a arte reflete a própria sociedade (ainda que a indústria do entretenimento possa e faça parte da formação do senso comum), portanto as novelas são um espelho da sociedade antes de ser um modelo para a mesma.
Novela é sempre assunto. Carminha e Nina são assunto. As duas personagens da novela “Avenida Brasil” tinham estereótipos maniqueístas muito claros até determinado momento da trama: Carminha representando o mal, uma psicopata, capaz de qualquer meio para alcançar os seus fins – dinheiro e poder; Nina/Rita representando o bem, a vitima, abandonada pela madrasta Carminha em um lixão, Nina/Rita quer apenas vingar a memoria de seu pai e revelar a verdadeira face de Carmem Lucia que agora é esposa de ex-jogador de futebol famoso e milionário. A menina cresce e é adotada por uma família argentina, mas mantem um desejo de vingança latente.
O Brasil torce por Nina, que consegue, de forma inteligente e sutil, morar na mansão de Carminha tornando-se cozinheira da família e, mais que isso, conquista a confiança da inadvertida patroa. Quando Carmem Lucia descobre o plano de Nina pretende mata-la, porém ao invés de executar o assassinato tem um plano mais cruel, um quase assassinato, uma demonstração de força, uma humilhação psicótica, um “eu não te matei por que não quis”.
O jogo vira quando Nina começa a chantagear Carminha. A cozinheira tem fotos da patroa com seu amante e pode destruir o casamento desta com Tufão, o que causaria a perda daquilo que Carmem mais preza, o dinheiro e o status. Além disso, a Dona Carminha tem uma imagem de caridosa e de esposa fiel, o que já lhe fez pretender até a disputa por um cargo público.
Chantagem armada Carminha está nas mãos de Nina e, como obra do destino em seus dias mais impetuosos, toda a família viaja, Nina e Carminha ficam sozinhas na mansão. Uma semana das maiores humilhações (ou seria das melhores?). A patroa tem seus cabelos cortados, é chamada de vadia o tempo todo e obrigada a todos os serviços domésticos. Quem não viu os capítulos anteriores diz, facilmente: “Essa Nina é doente”; “Essa Nina é louca”. Na verdade a duvida esta lançada. Quem, de fato, seria sã nesta história? Quem de fato representa o bem e o mal? Onde está o bem neste universo fantasiosamente realístico?
As “Avenidas Brasis” passam bem perto de nós. Carminhas e Ninas navegam em águas próximas de nossos continentes existenciais.
Para Carminha, maquiavelicamente, os fins justificam os meios. Ela não sente culpa, não sente empatia, talvez demonstre tais coisas quando estas são meios para os seus fins. O mercado, a vida, a religião estão cheios de Carminhas. Pior ainda, Carminha é padrão de sucesso, psicopatas são pessoas de sucesso na hipermodernidade, dado que cumprem bem as exigências de impessoalidade pelo capital, de não sentimento pelas metas, de numeralização da existência e dos existentes. Há Carminhas em nome de Deus. Há “carminização” é facilmente vista como “formação do caráter do vencedor”. Uma cultura psicopática surge. Assassinos? Nem todos, a maioria não, mas todos tratam o outro como descartável, ainda dão graças por terem recebido a benção de verem seus inimigos humilhados diante de si. No Evangelho a desconstrução da inimizade é presente sempre. O perdão ao inimigo faz com que, ao menos para quem perdoa, tal inimizade desmorone. Isso não garante uma relação de amizade profunda e eterna, mas garante boas noites de sono e um coração em paz.
- Carminha, se arrependa e mude. Há perdão para você, mesmo que tenha que pagar pelos seus erros, a benção da mudança, o começar de novo é possível.
Para Nina só a vingança justifica a vida. Vingar tornou-se seu objetivo de ser. Nina adoeceu de ódio. A menina vitima esta parecida com seu algoz. Seu rosto se desfigura de ódio (destaca-se a interpretação de Debora Falabella), suas palavras não medem esforços para ofender e humilhar. Tudo reação, mas que não deixa de refletir aquele universo interior desbotado, enfeiado pelo ódio e pelo desejo mais puro de vingar-se. Ninas andam por ai, Ninas podem andar por aqui, dentro da gente. O desejo de ver o outro rastejar humilhado adoece quem o alimenta. Não importa o algoz, o inimigo, o ofensor, quem se alimenta ou bebe das fontes do rancor se saboriza de amargura, fica com este gosto de fel em si. Há muitas Ninas nestas avenidas reais.
- Nina, ainda que você tenha razão, por amor, perdoe Carminha e deixe que ela vá colher os frutos de sua maldade, seja aqui, seja no não-aqui-eterno.
Como seria bom que tal história terminasse assim: Carminha mudada, arrependida, amando de verdade e pedindo perdão a todos que ofendeu e Nina, dentre tantos a principal ofendida, perdoando e tendo saciada a sede de justiça e não sede de vingança. Tenho a forte impressão que o final não será este. O Brasil das avenidas precisa ver o símbolo do mal agonizando e o símbolo do bem não apenas vencendo, mas também “pisando na cabeça do seu inimigo”. Seria uma injustiça a conversão (não falo de religiosa) de Carminha, seria uma burrice o perdão de Nina. Mas que grande exemplo seria!
Conversão e perdão caminham na mesma avenida, lado a lado no caminho do arrependimento. Estes são para Ninas, Carminhas e Fabios, são para todos os que se enquadrão na qualidade de serem alvos da graça de Jesus. Tal qualidade é, simplesmente, a de ser enfermo, pois foi para tais que Ele veio oferecer a cura, cura deste estado onde ninguém e símbolo do mal e ninguém é símbolo do bem, já que “todos pecaram”.
E é para todos nas Avenidas do Brasil que o perdão e a graça são oferecidos gratuitamente, de forma simples, sem as complicações da Religião, apenas com um apelo: “Arrependei-vos”, Carminhas, Ninas, Fabios e todos os pecadores-enfermos, “Arrependei-vos”.
Na esperança que a Graça encha as Avenidas do Brasil e as Avenidas da Alma de cada um de nós,
Saúde e Paz, impossíveis sem perdão e misericórdia.
Fabio
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5 comentários:
Todos os dias milhões de consciências têm suas cascas atacadas impiedosamente por programas de TV. Novela provoca osteoporose na consciência, coisa que Paulo chamou de cauterização. Estamos caminhando a passos largos para a amoralidade e imoralidade, coisa que Paulo também tratou como 'aquilo que se levanta contra tudo que se chama Deus'.
E o cristianismo (entenda-se os que se declaram cristãos) está deitado em berço esplêndido, desejando o melhor desta terra, quer dizer, deste mundo. E o melhor deste mundo é saúde perfeita e muita grana no bolso com tudo que ela pode comprar, além de, para eles: mulher nova, conservada, bonita e carinhosa que faz o homem gemer sem sentir dor (música da Amelinha) - e para elas: homem forte, barriga tanquinho, um deus Apolo carinhoso que as façam viver em constante estado de suspiração. É a receita de sucesso segundo o mundo, onde não basta ter, tem que mostrar pra todo mundo que se tem. Se é o que se tem, e se alguém nada tem não passa de trouxa (sim, o atual conceito de sucesso valida qualquer meio para se obtê-lo, a qualquer custo, onde pessoas são apenas um dos meios – e não ter significa trouxisse, burrice, falta de inteligência e esperteza) . E o que se mais quer é poder. Não necessariamente o poder político, mas o poder de ter e o poder da vida e da morte, ainda que se mate somente a alma, porque matar corpo pode dar cadeia.
Não basta ter sucesso, é preciso que todos saibam do sucesso que se tem. Fama.
No fundo tudo se resume apenas no desejo daqueles que não se importam com Deus (ainda que digam conhecê-lo e servi-lo) e nem com o próximo: Eu tenho, Eu sou.
Manja Gênesis, Adão e Eva, a serpente e o fruto proibido? Se resumia no ‘se Eu tenho, Eu sou’.
Repito: As pessoas estão enfeitiçadas.
Pastor Fábio, achei muito interessante essa sua analogia entre os personagens de uma telenovela e a realidade do mundo em que vivemos. Como você sabe, tenho 18 anos de evangelho e outros 21 anos de Rede Globo no currículo pessoal. Ou seja, passei metade de minha vida convivendo com duas coisas que muitas vezes se contrapunham, mas que faziam parte da minha realidade cotidiana. Nunca me cerceei de aprender sobre os dois lados, nem me deixei levar por tantas suposições esquálidas feitas por algumas pessoas a respeito de fatos que elas desconheciam, mas repetiam incessantemente, como falsas verdades, acerca da televisão.
Por outro lado, por ser roteirista e escritor (o que me fez fundamentalmente ser um leitor de tramas & histórias), sempre admirei as telenovelas; não pela mensagem que elas passam ou deixam de passar, mas como um produto representativo de nossa cultura. Achei muito pertinentes as suas analogias, e também de fácil interpretação devido à popularidade que elas têm. Se você tivesse comparado os santarrões eclesiásticos ao Falstaff de Shakespeare ou ao Creonte de Sófocles, suponho que haveria mais dificuldade de entendimento. Mas é aí que as telenovelas cumprem bem esse papel: erradas ou não em suas ideologias, as Carminhas e Ninas reproduzem os estereótipos da nossa sociedade. Alguns deles de forma muito obtusa, admito. Mas, “sem querer”, acabam acertando em cheio quando criam seus vilões universais – não necessariamente os tipos caricatos, mas aqueles cujos vícios superam as virtudes (e essa era a essência do vilão na Tragédia Clássica). Os vilões de novela refletem o que a nossa sociedade está vivendo, em todos os planos de nossa convivência (família, trabalho, igreja, política etc).
A meu ver, ninguém é obrigado a ver novela. Como também ninguém é obrigado a assistir a jogos de futebol, nem a telejornais, nem a comer feijão... nem a nada que não goste, uai! Mas considerar a novela subproduto por si só e rejeitá-la acreditando que isso vai melhorar o mundo à sua volta ou a espiritualidade em seu interior, aí já passa da conta. O exercício de aprovar e reprovar é saudável à construção de um raciocínio crítico que todos devemos ter. É como aquela velha história de não elogiarmos os irmãos “para poupá-los”, quando a Palavra nos diz que “o homem é provado pelos louvores que recebe”. Incauto, aquele que se esquiva dos elogios jamais provará a si mesmo. Resumindo: acredito que a alienação nunca possa defender ninguém de nada!
E foi justamente na análise dos capítulo de novela que você, como um irrequieto e profundo pensador da realidade cristã, tirou conclusões preciosas e relevantes sobre o estado de fé em que estamos. Parabéns, gostei muito das inflexões.
É isso. Novelas trabalham com arquétipos do mundo em que vivemos. São as tragédias gregas da contemporaneidade brasileira. Há quem as considere “vomitadoras de lixo” nas “sagradas famílias brasileiras”. Pois eu me pergunto: o que tem de “sagradas”, se é que ainda são “famílias”, e o que significa, stricto senso, ser “brasileiro”?
A culpa não é da novela. É do dedo de quem liga o botão da TV...
Vou repetir aqui o comentário que fiz sobre este assunto no grupo do Espaço Betel:
Que a novela reflete a sociedade, não há dúvida, mas penso que ela exerce um peso infinitamente maior como formadora de opinião, divulgação de práticas imorais e propaganda subjetiva da amoralidade. Tanto que grupos e empresas pagam e fornecem vantagens para pessoas e meios tidos como formadores de opinião, que influenciarão outros em quantidade.
Aliás é matéria prática de marketing criar um produto e formar (ou formatar) a massa para consumi-lo.
Como ela (a novela) tem autor(es), diretor e donos da rede que a fabricam e colocam no ar, é fruto da amoralidade, sendo meio de propagação desta. Àgua mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Aliás, perdoem-me, mas discordo da tese de que o telespectador tem o poder de desligar a TV ou trocar de canal. Primeiro porque os canais abertos aos quais a grande massa tem acesso são pouquíssimos, e dizer que não são usados para manobra desta mesma massa seria inconcebível. Vejam a propaganda direta, objetiva e contumaz que a TV Globo está fazendo pela legalização do consumo de drogas, e vejam também, sem pasmar, as ameaças frequentes que o tal apóstolo Valdemiro santiago faz em seus programas sobre colocar 1 milhão de pessoas nas ruas, em afronta aos governos municipais que 'implicam' com os templos dele.
Temos inúmeros outros exemplos, como a acintosa campanha pró homofobia, sendo que segundo dados de entidades glbtts, em 2011 foram assassinados 360 homossexuais, quando a mídia de forma geral ignora os outros 40 mil assassinatos que vem ocorrendo anualmente no país. Ou as mais de 40 mil mortes por acidentes de trânsito. Ora, proporcionalmente, diante dos números, quais assuntos deveriam provocar maior mobilização e campanha?
E, segundo, já no campo da espiritualidade, a TV aguça e provoca o desejo, usando de uma espécie de photoshop, que na verdade é a força do pecado. Esta força faz tudo o que é errado parecer bom, e que tais desejos sendo realizados provocarão intensa e plena satisfação. A Mídia usa descaradamente a queda natural do ser humano para o pecado. Por isso cerveja vira Boazuda e Gostosona. Sim, meus queridos, não ignorem esta verdade: o mundo jaz no maligno, e estamos no mundo.
Em suma, minha opinião é de que, mesmo fugindo o máximo que podemos, ainda assim estamos presos na teia de controle de gente nunca bem intencionada. O documentário A Servidão Moderna, acessível no link abaixo, nos mostra isso com uma clareza repugnante.
http://discernindoaverdade.blogspot.com.br/2011/08/pecado-tragedia-humana.html
Eu até ia fazer um comentário elaborado e analítico, mas o HR falou tudo.
Então, só me resta elogia-los, os dois, pelo texto e comentário.
abraço, Nelson
NOssa ai de mim comentar mais alguma coisa....esses aqui em cima ja falaram tudo rsrs e mais um pouco.
Só tem nerd aqui rsrs
Muito bom Fábio, amo seus posts.
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