Você tem o
direito de assistir o que quiser na TV.
A frase
acima pareceu não ter sentido na última semana. A nova novela do horário nobre
da Rede Globo trouxe consigo uma avalanche de protestos quanto a referência ao santo
guerreiro, São Jorge, cultuado pela igreja católica e sincretizado ao orixá Ogum
das religiões afro-brasileiras.
E é um tal
de trazer maldição pra cá, de ta amarrado para lá. “Se você é cristão de
verdade não assistirá a novela”. Coisas do gênero lotam as redes sociais e e-mails.
Em contra partida há os que dizem: eu vou ver mesmo, e daí? E tome
citações de versículos bíblicos a granel!
Confesso minha identificação com os que postulam – “Se eu quiser eu vou assistir e você não tem nada a ver com isso”, mas proponho aqui algumas reflexões sobre o fenômeno descrito aqui.
Primeiro, tudo isto se enquadra perfeitamente no cenário
que se pode inferir de Romanos 14. A questão ali descrita envolvia o que se comia e o que se
bebia como pratica diária dos participantes daquela comunidade de fé. Os que bebiam
vinho não comiam carne, os que comiam carne não bebiam vinho, tudo baseado em
convicções culturais e religiosas. Nenhum problema se tudo isso não
resulta-se no julgamento de um grupo para o outro e, pior ainda, na instituição
dos grupos definidos e antagonistas: os BEBEDORES-NÃO-CARNÍVOROS versus os CARNÍVOROS-NÃO-BEBEDORES.
Paulo aborda
assim a questão:
Aceitem o que é fraco na fé, sem
discutir assuntos controvertidos.
Um crê que pode comer de tudo; já outro, cuja fé é fraca, come apenas alimentos
vegetais.
Aquele que come de tudo não deve desprezar o que não come, e aquele que não
come de tudo não deve condenar aquele que come, pois Deus o aceitou.
Quem é você para julgar o servo alheio? É para o seu senhor que ele está de pé
ou cai. E ficará de pé, pois o Senhor é capaz de o sustentar. (Romanos 14:1-4)
Destaca-se
aqui que estas discussões são desmotivadas sendo identificadas como questões
importantes para quem se qualifica como FRACO.
Ao contrario
disso, hoje o que se vê é a necessidade de se afirmar como FORTE, santo,
espiritual por que não se come, bebe, assiste determinada programação da TV e qualquer outro comportamento.
É fato também que os que comem, bebem e assistem, tendem a se sentirem mais
maduros, capazes de discernir e espiritualizados por fazerem tais coisas e estas não os perturbar.
O simples fato de se ter a necessidade de reafirmar suas convicções e
praticas, querendo mostrar tanto a sua moralidade rigorosa quanto a sua
valoração de outros aspectos da vida, já denota e qualifica a pequenez, a
mediocridade e pouca profundidade da relação com as questões da fé e da vida. É no RASO que estas coisas são importantes e quem se aprofunda no cuidado com o que realmente faz sentido não navega nos raseiros.
O conselho
de Paulo com relação ao lidar tanto com os BEBEDORES-NÃO-CARNÍVOROS quanto com
os CARNÍVOROS-NÃO-BEBEDORES é que se faz
necessário “ter paciência com estes”.
Só é necessário
ter paciência dado que todo FUNDAMENTALISMO é chato. Toda bandeira que se defende
vorazmente, desprezando e entendo o diferente como menos qual quer coisa é, na
sua alma, fundamentalista, logo é intolerante, julgador, desagregador, pouco
aberto ao diálogo e obtuso no olhar a vida. O fundamentalista é RASO.
Aos Romanos
é dito que “o reino de Deus não é comida nem bebida” (14.17), apenas por que os
elementos da desagregação eram estes tais. Qualquer coisa que não seja da “justiça, paz e
alegria no Espirito Santo” se enquadra na condição de comida e bebida. Tais
debates só alimentam a vaidade, mesmo com todo ar de santidade que têm.
Bobagem. O Respeito ao diferente vale mais no Evangelho do que qualquer outra
questão. Foi com respeito que Jesus tratou até seu amigo traidor.
Em segundo lugar,
a vida é boa quando cada um se abstém ou não com a consciência em paz. A CULPA é
o que faz qualquer coisa virar maldita.
O capitulo
14 de Romanos se encerra com a seguinte fala de Paulo:
Assim, seja qual for o seu modo de crer a
respeito destas coisas, que isso permaneça entre você e Deus. Feliz é o homem
que não se condena naquilo que aprova.
Mas aquele que tem dúvida é condenado se comer,
porque não come com fé; e tudo o que não provém da fé é pecado. (Romanos 14:22-23)
Todo
homem que se condena no que aprova, que sente culpa no que diz aprovar, que
fala sim e consciência diz não é um INFELIZ ESSENCIAL.
Fiquemos
então em paz com a gente mesmo diante do que aprovamos, assistimos, comemos e
bebemos. Se assim não for tudo carrega o peso de ser pecado. A culpa, a duvida,
o juízo torna em pecado qualquer pratica, até a mais inocente.
Em último lugar quero destacar o quanto vale o respeito pelo outro. Cada um de nós
temos uma historia de vida, de escolha e de maturação diferente. Cada um de nós
é um universo diferente. Um dos grandes problemas da religiosidade evangélica está no querer uniformizar os indivíduos, tornando a vida simplista, por exemplo quando em nome da fé age desprezando as deficiências e os traumas que tanto limitam pessoas. Todos precisam ser “mais
que vencedores” e/ou super heróis da fé. Nestes ambientes não se admite o diferente, o contraditório. O
pensar diferente é ruim, contrariar é indizível.
Temos
aqui um elemento perigoso e já presente no controle de massas neste e em outros tempos. Refiro-me ao: "obedeçam, tão somente obedeçam".
Não
toque , não faça, não olhe, não diga, não beba, não coma, não transe, não
assista e coisas desta ordem das cartilhas da religião, quando encaradas como parâmetro
para ser ou não ser “de Deus”, ou ser ou não ser “cristão verdadeiro”, só serve
para este esforço manipulativo e desrespeitador das diferenças se reafirmar.
Já que vocês morreram com Cristo para os princípios elementares deste mundo, por que é que vocês, então, como se ainda pertencessem a ele, se submetem a regras:
"Não manuseie! " "Não prove! " "Não toque! "?
Todas essas coisas estão destinadas a perecer pelo uso, pois se baseiam em mandamentos e ensinos humanos.
Essas regras têm, de fato, aparência de sabedoria, com sua pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade com o corpo, mas não têm valor algum para refrear os impulsos da carne. (Colossenses 2:20-23)
Pare e
pense, faça qualquer coisa com a consciência em paz, se não for assim simplesmente NÃO FAÇA e se não fizer não ache que ficou mais relevante por não fazer, julgando menos relevantes os que fazem. A mesma coisa vale para o inverso. Estes são parâmetros do Evangelho para a vida. Parâmetros de amor e graça.
Que não nos tornemos juízes de ninguém, nem de nós e vivamos em paz.
No amor
de quem da importância ao que de fato importa.
Saúde e
Paz,
Fabio